terça-feira, 2 de junho de 2009

Os meus passos assentam sobre as claras pedras da calçada cujas fendas deixam entrever o fundo de terra negra onde foram cautelosamente colocadas anos antes (quem sabe quantos?) de eu andar neste mundo. Observo os gigantescos prédios amarelados que pairam em ambos os meus lados e os preparativos dos muitos que ainda estão por nascer numa tentativa vã de conseguirem deixar o céu abaixo do seu cimo. Máquinas que originam cimento nas suas entranhas, pesados tijolos nos braços de pobres homens que trabalham sem descanso sob um sol infernal…

Deixo atrás esse império de arranha-céus e passo pela alta fachada de pedra castanha que dá início à zona antiga da cidade. Um pequeno roedor passa depressa ao meu lado. Corre soltando agudos guinchos de aviso aos seus camaradas que, protegidos entre os reduzidos espaços vazios dos muros esbranquiçados, vêem-no finalmente a ser preso entre as garras de um esfomeado gato mendigo. Nauseado, viro o rosto ao desfalecido ser que, agora na boca do felino, é despedaçado e digerido a sangue frio.

Prossigo o meu caminho lado a lado com a minha sombra estendida sobre os brancos muros que contam a história dos primórdios da cidade. Fazem-me sentir como se estivesse nos campos de batalha onde centuriões romanos lançam ordens às suas legiões sobre investidas a bárbaros e onde a força de espadas árabes e cristãs é descarregada em corpos que expiram pela última vez… Quantas vidas perdidas em guerras de posse de terras e em nome da fé religiosa!

Após vários minutos, regresso ao mundo moderno e dou-me conta do largo paço no qual me encontro. Crianças a correr, jovens pais com os seus recém-nascidos, solteiros e casados, comprometidos e amantes secretos… É tal a gigantesca multidão que, ao atravessá-la, não noto a renovação da estátua equestre esverdeada do local, degradada ao longo dos anos pelos dejectos dos pombos que proliferam nas antigas varandas oxidadas da metrópole.

A seguir, altero a direcção das minhas passadas e, sem sabê-lo, chego a uma rua estreita e cinzenta. Resisto à tentação de fechar os olhos ao que se depara perante de mim: jovens homens e mulheres aos pares, que negoceiam em sussurros o valor de troca de sacos de pó branco, conspirando contra as suas próprias vidas de forma inconsciente. Viro as costas a estas almas arruinadas, tais suicídios mascarados? Viro as costas àqueles que podiam ser sangue do meu sangue? No instante a seguir, os seus olhos ensanguentados ficam fixos aos meus atentamente. “Está na hora de ires embora”, dizem eles. Receio ter que obedecer. Não posso fazer nada.

Saio desse escuro beco fatal, caminho sobre outras tantas largas ruas e finalmente chego ao pé do mar, onde as profundas águas salgadas do extenso oceano reflectem a azul abóbada do céu. Descalço, os meus pés registam as minhas pegadas nos grãos do areal. Enquanto avisto no horizonte o pôr-do-sol, uma brisa de maresia bate no meu rosto, levando consigo, por momentos, o meu pensamento.

José
31/05/09

1 comentário:

  1. Ecxcelente, me ha gustado muchisimo. Es un texto que parece estar escrito por una persona de más edad.Felicidades y continua!!!

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